sábado, 22 de novembro de 2008

Muda

Naquela noite resolveu finalmente se abrir com ele. Decidiu que iria despejar em seu colo todas as angústias, dúvidas, inseguranças que somadas seriam um prato cheio para qualquer psicanalista. Mas a vítima seria ele, que durante um ano evitou qualquer conversa mais profunda, que aprendeu a se esquivar mudando rapidamente de assunto, que emudecia toda vez que ela falava naquele tom.
- Guto...
- ...oi...
- Sabe o que é?
- ...não, não sei...
- É que eu tava pensando...
- Ah, lembra daquele livro que comentei com você? Chegou na livraria, o cara me ligou. Tava só esperando pra poder estudar mais pro concurso. Dois meses esperando, e a prova já é agora, em março.
Ela detestava esse assunto de concurso. Puta falta de criatividade. Que graça estudar por dois, três anos pra passar numa prova, trabalhar num serviço burocrático com pessoas que só estão ali pelo mesmo motivo, dinheiro e estabilidade, e fazer repetidamente algo que não vai contribuir em nada para um mundo melhor? Puta falta de graça.
- Em março?
- É, passou rápido... Bela, tá lembrando que não vou poder viajar no carnaval, né?
Agora ela engoliu o choro. Seria a primeira vez que viajariam. Era a chance que ela teria de poder ficar com ele sem interrupção. Fariam todas as refeições juntas, dormiriam juntos, tomariam banho, veriam as mesmas coisas e, enfim, ela teria tempo e jeito para conseguir dizer tudo aquilo que lhe rondava a cabeça.
Aquele ano tinha sido cheio de não ditos, e logo ela, tão verborrágica, parecia ter sido colocada de castigo. Era na marra que ela estava aprendendo a ouvir o silêncio e a engolir todas as perguntas que vinha na ponta da língua quando ele cumprimentava uma menina que ela não conhecia ou quando ele atendia o celular enquanto jantavam sexta à noite.
Mas de hoje não passava. O problema de tanto acúmulo é que o pobre sujeito é pego de surpresa e ouve tanta coisa ao mesmo tempo que não consegue processar. No meio do tororó ele perde o poder da audição e do raciocínio - não acompanha mais nenhuma frase, tudo pára de fazer sentido. Mas ela tinha que vomitar pra não engasgar. Aproveitou que ele saiu da mesa, não levou o prato até a cozinha e ainda estava procurando o controle remoto. Era a deixa.
- Bela, você viu o controle?
- Guto, quem vê tv aqui é você. Eu não vi nada. Aliás, não vejo nada há muito tempo. Não vejo você pensar na gente, não vejo você ter vontade de sair prum lugar diferente, não vejo você com aquela vontade de me comer, não vejo...
- Mas eu só...
- Quieto! Fica quieto! Você vai me ouvir nem que seja à força. Você só pensa em você. É essa merda de individualidade. Individualidade é o cacete. Quer individualidade vai bater punheta sozinho. Você é incapaz de...
Ela falou por uma hora e treze minutos, exatamente. Ele tinha a mania de marcar. Gostava dela e não conseguia entender de onde vinha tanta raiva. Só por que ele perdeu o controle remoto?
- Guto, fala alguma coisa!
- ...
- Fala!
- Eu...eu...
E pra se livrar de vez daquela situação, mandou pela primeira vez sem ter muita certeza do que dizia:
- Eu te amo, Bela.
Ela sentou no sofá e chorou por mais vinte minutos no colo dele. Mas antes, conseguiu achar o controle remoto que entregou pra ele como se fosse um prêmio.

domingo, 9 de novembro de 2008

Relato de um Homem "Arrependido"


"Tudo bem..queremos meninas legais, sexy, saradas, bonitas, inteligentes e boazinhas...Muito fácil falar, pois qnd aparece uma assim, de bandeja, a primeira coisa que a gente pensa é: Oba, me dei bem. Ficamos com elas uma vez, duas. Começamos a pensar que essa é a mulher que nossas mães gostariam de ter como noras. Se sair um relacionamento, vai ser uma relação estável. Você vai buscá-la na faculdade, vocês vão ao cinema, num barzinho, vai ter sexo toda semana...Tudo básico, até virar uma rotina sem graça..Você vai olhar os caras bem vestidos e bem humorados indo pra noite arrasar com a mulherada e vai morrer de inveja. Vai sentir falta de dar aquelas cantadas infalíveis na noite, falta de dar umas olhadas pra uma gata, ou de dar aquela dançadinha mais provocativa na pista...
Você pensa: Acho que não estou pronto pra isso, pra me enclausurar pro resto da vida nesse relacionamento. E a boa menina se transforma numa MALA, e aos poucos vai surgindo um nojo dela, uma aversão. Quando você vê o nome dela no celular, não dá vontade de atender...JÁ ERA. Daí aquela promessa de vida estável vai por água abaixo, se a menina não se dá conta, a gente começa a ser grosso, muito grosso. E a pobre menina pensa: O que eu fiz?? Coitada, ela não fez nada, a culpa é nossa mesmo...
Aí, a gente volta pra nossa vidinha, que a gente odiava até semanas atrás. A gente não vê a hora de sair e arrasar na noite...ou pegar aquela mulher gostosona que sempre quisemos.
GRANDE DESILUSÃO. Você chega em casa depois da balada, sozinho e fica tentando descobrir porque você não está satisfeito. De repente foi porque a menina da night, a linda,
gostosa, misteriosa, fico contigo, mas nem sequer pediu o número do teu telefone.FRUSTAÇÃO. Daí, por mais que não queira, você pensa na sua menina boazinha que você deixou pra trás...ela podia ter seus defeitos mas era uma menina legal...que ficaria ao seu lado te dando valor...Enquanto isso a boa menina, chateada, lesada, custa a entender o que ela fez pra ter te afastado dela...daí essa dúvida vira ANGÚSTIA, que vira RAIVA. Daí, a menina manda tudo a PUTA QUE PARIU!!!
Não quer mais saber de nada, só de sair, zuar, dançar e beijar outros caras!! Resolve não se envolver mais, pra não sair lesada ou chateada..Muito bem!!! Acabamos de criar uma MONSTRA...O tempo passa e a gente continua na mesma..volta a reclamar da vida e das mulheres..Elas só querem as coisas com homens cachorros e não estão nem aí pra nós...ou será que nós é que fomos os cachorros ????
Elas são assim por culpa nossa. A mulher da night de hoje, era a boa menina de outro homem ontem, e assim sucessivamente...Provavelmente essa nossa ex-boa menina, deve estar enlouquecendo a cabeça de outro homem por aí...Eu a perdi pra sempre, ela virou uma mulher enlouquecedora e a encontrei na balada..e ela???
Nem olhou pra mim..mas estava mais linda do que nunca..."

Trato do Coração e da Língua





Meu coração e minha língua fizeram um trato:
quando meu coração estiver enfurecido,
minha língua guardará silêncio.

As palavras respondem aos sentimentos, e os sentimentos às idéias.

Por isso é impossível dominar nossas palavrass e não somos senhores de nossos sentimentos;
e estes sentimentos irão se acalmando segundo a força de nossas idéias.

A um coração que não se domina,
responderão palavras violentas e ferinas;
a um coração fechado em si, sucederão palavras e atitudes que depreciam os demais

Por conseguinte, me calarei quando meu coração não estiver sossegado e em calma;
não falarei,
pois seguramente me arrependerei do que disser ou,
pelo menos,
do modo como o disser, ou do momento em que o disser.


Se em geral o coração não costuma ser bom conselheiro,
menos o será quando não estiver em paz e
não se sentir senhor de si mesmo.